Algumas profecias para o milênio que começa

Algumas profecias para o milênio que começa
Nunca mencionei isso, mas sou descendente de um profeta. O fundador de minha família era um adivinho sírio de nome N’Jeime, (estrela, em árabe) que perambulava pelos desertos, anunciando desgraças e punições aos ímpios. Pelo menos, assim reza o pequeno texto que minha família guarda com desvelo e orgulho. N’Jeime vagava em solidão entre Damasco e o Vale do Bekkaa e lia o futuro lindamente em entranhas de carneiros desventrados. Portanto, eu, remoto neto deste encardido adivinho, também deixarei aqui algumas profecias, já que o milênio acaba daqui a 5 dias.
Assim sendo, meus irmãos, em verdade vos digo que:
No século XXI, por causa da aceleração do espaço-tempo, da biotecnologia e da virtualidade da vida, teremos o desespero da "instantaneidade". O aqui e o agora vão ser fugazes. O passado será chamado de "depreciação", teremos nostalgia de um presente que não tem repouso e angústia por um futuro que não pára de "não" chegar.
Nada será definitivo. Será o fim do fim. Qualquer esperança de síntese será ridícula. O mundo será fragmentário, um fluxo sem nexo, e nossa infinita desimportância no universo ficará nua.
Teremos saudades da linearidade, da perspectiva, do princípio, do meio e do fim, teremos saudades do inútil e da lentidão. A indústria sentirá este mercado potencial e, além de nos vender celulares e palmtops cada vez mais rápidos, também inventará drogas da câmera lenta, do vazio, do baldio, do inerte, do descanso pelo tédio.
Definitivamente, haverá o fim dos sujeitos. Os últimos resquícios desta ilusão individual serão abolidos. No séc. XXI, seremos todos objetos, sem o chique de qualquer sentimento de especialidade ou uniqueness.
Mergulhados em uma incompreensão total dos signos, nenhuma lógica nos restará a não ser as regras de ouro de manutenção dos mercados, estes sim, definitivamente organizados, racionais e previsíveis.
Como a História será incompreensível, florescerão os Parques Temáticos de Sentido (os PTS), onde poderemos viver epopéias que acabam bem ou grandiosas apoteoses de pessoas ou nações. Como os filmes de hoje prefiguram, teremos Hiper-Hollywoods transcendentais.
Um mundo opaco, imanente, sem futuro, gerará uma fome pavorosa de transcendência. Haverá um ressurgimento das religiões e da fé, provocando grandes woodstocks de absoluto, já visíveis hoje nos showmícios evangélicos e nos rituais fundamentalistas. O iluminismo será definitivamente enterrado. Deus, que tinha morrido, vai renascer.
A liberdade ficará insuportável. As prisões e jaulas dos jardins zoológicos serão invadidas. Haverá uma grande fome de servidão. Voltarão os líderes carismáticos, profetas e evangelistas, todos tolerados (e até financiados) com escárnio pelas grandes corporações. Não haverá a democratização das teocracias do Oriente, como querem os USA, mas a orientalização dos países ocidentais.
Haverá campos de concentração "cinco estrelas", caríssimos, luxuosos, onde as percepções vão cessar, onde os sentidos serão abolidos, em busca de um silêncio sensorial aterrador.
O corpo humano vai mudar. Os primeiros sinais já estão no silicone, nas próteses, nos narizes decepados, nas clonagens, nas transmutações genéticas. Haverá uma "involução da espécie". Por falta de interação com a natureza, os corpos vão degenerar e, ociosos e molengas, vão aspirar à condição de "coisas". As orelhas vão tender para celulares; os braços, para tentáculos vorazes; os olhos, para telas de cristal líquido; os paus e vaginas, para eixos e encaixes; e os cérebros, para chips com bilhões de gigabytes, todos feitos no Silicon Valley.
Acabará o amor romântico. Só tesões instantâneas e fugazes. A fome de mais prazer esgotará a sexualidade e buscará complementos eletrônicos e virtuais. Haverá hiperorgasmos, tão fortes que esbarrarão nos limites do corpo e viverão mais além deles, sozinhos - orgasmos sem corpo, orgasmos gemendo no ar. O desejo cessará por excesso de sexualização.
A arte acabará, destruída pelos efeitos especiais. Dela só ficarão as emoções, reproduzidas em computação: o belo, o sublime, o épico, o lírico, o trágico, sem obra atrás. As massas só terão circo; pão, talvez.
A arte será uma religião com poucos adeptos. Depois do minimalismo, do conceito puro, da arte do corpo, da arte do silêncio, do vazio, teremos a arte do nada: apenas a muda contemplação rancorosa da vida. Os artistas serão monges sem rituais.
A política será um espetáculo. O mundo será uma grande "economia sem sociedade", se espalhando por cima dos ex-Estados-Nações. A democracia será mostrada em museus e os Congressos serão circos, fingindo legislar, mas sem nenhum acesso à vida social real.
Com a América Latina toda dolarizada, alcalizada, militarizada e careta, via Colômbia, as guerrilhas vão virar parques temáticos também, como já são hoje os "zapatistas" de Chiapas, visitados pelos intelectuais franceses. Como se anuncia hoje na Colômbia e, cá entre nós, no Amapá, teremos perímetros fechados de revoluções (na Colômbia) ou de corrupções (como no Amapá), estimulados pelas corporações, para dar vazão aos ódios e desesperos, organizados em rituais de massa pela Nike e congêneres, à maneira dos antigos sacrifícios astecas ou como as "horas de Ódio" de Orwell, a única profecia que rolou do "l984".
Haverá o fim da piedade, o fim da compaixão. As populações miseráveis ou desnecessárias ao mercado serão exterminadas, sob o protesto ridículo e inaudível de meia dúzia de humanistas anacrônicos e babacas.
O Big Brother será um herói, desejado pelas multidões, com postos em todos as esquinas, como McDonalds. E todos se sentirão felizes em ser vigiados e protegidos pela servidão e pelo temor.
Estas são minhas profecias para 2001 em diante. Que Deus vos proteja, meus irmãos, são os votos do penta-neto de N’Jeime, o "estrela".
Como vêem, estou precisando de férias urgentes que, aliás, começam hoje. Vejo vocês no próximo milênio.

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