A arma secreta do Islã é o suicídio feliz
Já comecei a mudar. Com as torres gêmeas, muitas certezas e construções já estão ruindo dentro de nós. Caem todas as nossas torres. O acontecimento recente foi das maiores reviravoltas da história humana. O que mudará em nossas vidas? Não digo de fora para dentro, bombas que podem cair, dores que podemos sentir; falo da mudança dentro de nossas cabeças.
Subitamente, fomos arrojados de volta a uma era pré-política. Os nazistas queriam um milênio ariano, os comunas queriam construir um paraíso social, os fanáticos do islã não querem construir nada. Já estão prontos. Já chegaram lá. Já vivem na eternidade. Querem apenas destruir o Demônio. Que somos nós.
A guerra é assimétrica não só por absurdas esquadras contra um homem só, mas também porque só a América tem uma ideologia. Eles têm a teologia. Tanto o socialismo como o capitalismo surgiram do racionalismo ocidental. O islã chega e acaba com tudo; fica só vida contra morte.
Tudo que fazemos tem o alvo da finalidade, do progresso. O islã não quer isso. Quer o imóvel, a verdade incontestável. O islã transcendeu o político há muito tempo. Suas multidões jazem na miséria felizes, conformadas, perfazendo um ritual obsessivo cotidiano que os libertou da dúvida e do medo. Sua obediência ao Alcorão lhes ensina tudo, desde como cortar as unhas até como matar “cães infiéis”. Os miseráveis amam a própria miséria. Sua fé sem limites é a grande alegria e paz das classes dominantes teocráticas e petrolíferas.
Uma vez vi um filme científico em que batalhões de formigas lutam contra os cupins, diante do obstáculo de um fio d’água, se entrelaçam como “ponte” para as outras formigas passarem. E toda a “ponte” morre afogada. Pensei: como se faz a escolha? Por que tantas se atiram com presteza para a morte? Depois entendi: não há indivíduos. Todas as formigas são uma só. A multidão ocidental são “muitos”; a multidão oriental é uma só.
A grande arma secreta do islã é o suicídio. Não o suicídio melancólico do ocidental, nem o haraquiri culpado do japonês, mas o suicídio triunfal, feliz, ativo, o suicídio que leva consigo o inimigo, o outro.
Finalmente, entendi a velha frase de Camus: “O suicídio é a grande questão filosófica de nosso tempo.” Mas, não o suicídio raivoso, masoquista de Mersault contra si mesmo (v. O Estrangeiro) e contra o mundo “absurdo”. Não mais o suicídio da “náusea’, mas o suicídio como manifestação de vida contra a dúvida e a diferença. Ai, que loucura!: o suicídio como esperança.
Há uma guerra contra a idéia de “busca da felicidade” na Terra, motor da América. “Nós amamos a morte; vocês sempre gostaram de viver!...” – disse Muhamed Omar, com desdém.
Osama lançou a humanidade “objetiva”, “racional”, “política” de volta a uma “infra-infra-estrutura” remota do Inconsciente. Ele nos pôs diante de nosso fracasso em relação à natureza, diante de nossa “falha” essencial, diante do eterno vazio, do buraco negro do “real”, que tentamos preencher com o progresso, a ciência ou a arte. O islã não quer preencher nada; ele ora cinco vezes por dia dentro da “falha”.
Acaba a idéia de solução, a idéia de vitória. Tudo fica ridículo diante da cara fatalista e plácida de Osama. Por isso, os USA estão na Ásia tentando reconstruir um discurso. E, pelo jeito de a frota se posicionar, vão usar o pretexto do Taliban para assumir poderosamente uma liderança unipolar, solitária. Acho que planejam uma guerra muito maior do que se pensa, que afirme a vitória do lado mais fundamentalista da América, que já combatia o “multiculturalismo” de Clinton, a América de Kenneth Starr, da fraude nas eleições.
Bush e os generais querem, pelas armas, fechar a grande ferida narcísica que se abriu no corpo da América. Não sei se conseguirão. Essa ferida aberta é a única esperança de democracia que o mundo pode esperar. A América nunca mais será a mesma. Pode ser que esta vergonha, este defloramento lhes relativize.
Vai mudar também o imaginário do Ocidente. A beleza do “homem revoltado” morreu e 1968 se encerrou finalmente. Pode estar pintando um horror à mudanca, um grande tempo de conformismo deprimido. Ficaremos mais minimalistas, afirmando singularidades. Como disse Baudrillard, outro dia: “O universal acabou; só resta o singular contra o mundial.”
Que será da arte e da indústria cultural de massas? Hollywood vai fazer o quê? Onde enfiar o grande sonho heróico americano, onde Bruce Willis, onde Van Damme? Onde a fome de grandes generalizações? Onde a grande “mensagem”? E na arte e na literatura e na filosofia? Onde tecer uma esperança, mesmo crítica, mesmo absurdista? Uma melancólica contemplação da finitude vai se instalar.
Os USA já perderam esta guerra simbólica. Vão lutar para reconquistar seu nome, seu prestígio, mas, se reconquistarem o respeito de campeões do mundo, a adesão dos fãs nunca mais será deslumbrada e incondicional. A globalização galopante da idéia de “vida americana” se fraturou para sempre. O Oriente também tem um way of life.
O Oriente também quer difundir sua verdade. Osama fez o gesto mais globalizado até hoje.
A força simbólica do fato foi uma bomba atômica de significantes. Foi um evento que arrebentou a pastosidade do mundo atual, chato, que clamava por um acontecimento que nos libertasse do fatalismo capitalista. Nada acontecia mais. Só os desacontecimentos. Tudo que ameaçava ser “diferente” era sugado pelo buraco negro da “pax americana”. Nada podia abalar o “pensamento único”. Hoje, estamos diante de uma chuva de pensamentos dispersos.
Ao menos, acabou o tédio e chegou o medo. A “recessão mental” que ameaçava o mundo acabou. Teremos um febril acompanhamento da história, teremos uma imensa produção de racionalizações mais ou menos inúteis diante do “homem-bomba”, personagem para sempre onipresente. A barra pesou. Mas, apesar de tudo, estamos mais perto de uma verdade trágica e mais longe da ópera-bufas.
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