As torres de Nova York já estavam caindo em 1999

As torres de Nova York já estavam caindo em 1999
Não quero bancar o profetinha, apesar de a família N’Jaime Jabor ter sido fundada por um adivinho persa que andava de camisola suja pelo Vale do Bekaa, pregando inflamadamente para camelos e beduínos. No entanto, encontrei hoje um antigo texto que escrevi e publiquei quando ainda morava em N. York, em 4 de maio de 1999. Fiquei arrepiado com o artigo premonitório e aqui republico trechos, não para me louvar como “legalzinho”, mas para mostrar que o sucedido em 11 de setembro já andava rondando as nossas mentes malucas.
Senão, vejam:
“Existe um grande perigo no ar. Não é mais a ‘guerra fria’, mas a ausência dela. Eu olho aqui do 32 andar de um prédio em Nova York e tenho medo. A ilha de Manhattan parece flutuar para um desastre, coberta de agulhas góticas apontando o céu. Nova York é uma explosiva mistura de vitória e arrogância, com este progresso espantoso, este triunfo da razão e do engenho humanos. A América é a grande esperança da Humanidade ou o seu fim. As duas forças da vida e da morte estão ali embaixo, nas avenidas, ali entre os edifícios.
Mais além da Estátua da Liberdade, vem o ‘resto’ do mundo. Mais além, estão os ‘emergentes’, os pobres, a Europa unificada, a guerra nos Balcãs, mais além estão os rogue countries (os países ‘delinquentes’, como eles chamam os rebeldes). (...) A vitória técnica, econômica, democrática da América é absoluta, um orgulho para a história da Humanidade. Aqui estão todas as conquistas liberais do século XVII-XVIII, do iluminismo inglês que os founding fathers usaram de bandeira. Tudo que a obsessão mercantil, do trabalho, tudo que a religião da democracia podia criar, foi feito aqui. E, no entanto, este êxtase pode virar morte. Talvez o fim do mundo esteja nesta grande vitória.
Ali, do outro lado do rio, no horizonte, o século XXI começa a raiar. Ali, do outro lado do mar, ferve a inveja do mundo. Esta é a verdade inapelável: o mundo tem uma inveja devastadora dos EUA e, em contrapartida, os EUA têm uma indiferença brutal pelo mundo. Nosso futuro está nas mãos de um único mistério: conseguirá a América entender seu novo papel de líder solitário? Ela vai mudar? Terá a América a grandeza de se auto-analisar?
O preço que a América paga por este sucesso é não ter a mínima idéia do mundo em torno. Um grande narcisismo não elaborado poderá um dia deixar estas agulhas de Manhattan apontando para um céu morto.”
Depois, cito temores de intelectuais como Garry Wills e Huntington, apavorados no “Foreign Affairs”, diante da arrogância dos líderes americanos.
Como um dueto de rap, os dois gemem:
“A América tende a agir como se o mundo tivesse um só destino, tende a ignorar as diferenças de outros países. Ela se considera uma espécie de ‘imperialismo benigno’ e quer ‘ensinar’ aos outros a validez universal dos seus princípios. Madeleine Albright disse: ‘Nós somos a nação indispensável, somos superiores e vemos mais longe que as outras nações’. Larry Summers, o subsecretário do Tesouro, saiu-se com esta: ‘Nós somos a primeira superpotência não imperialista’. Cada vez mais, a América está sozinha no mundo, agindo cegamente, aplicando sanções contra países ‘desobedientes’, promovendo seus interesses corporativos sob o pretexto de difusão da ‘democracia’. A América sabota solenemente a ONU, molda o Banco Mundial e o FMI de acordo com seus interesses econômicos e transforma a Otan num elenco de apoio para seu protagonismo policial, ao mesmo tempo que vende armas para os ‘países membros’. A América se considera o ‘líder do mundo livre’, mas este titulo só é ouvido em discursos de funcionários dentro do país; lá fora, só se ouve falar de sua arrogância unilateral, seu imperialismo financeiro, seu colonialismo intelectual. Outro ponto perigoso da política exterior da América é que ela tende a achar que ‘agir sozinha’, sem alianças incômodas, é que seria uma verdadeira política independente. Ela chega à loucura de achar que as divergências mundiais com Washington seriam justamente o indício de que a América estaria certa.(...)
O presidente James Madison escreveu que ‘a América só poderia ser uma grande nação líder do mundo se ela pudesse se enxergar através dos olhos dos outros países’. Este ditame de um dos founding fathers ficou esquecido e enterrado”.
E aí vem a intuição que me legou o velho N’Jaime, num flash fulminante do que poderia acontecer:
“Uma vez, um amigo americano me perguntou, intrigado: ‘Why do they hate us?’ (‘Por que eles nos odeiam?’) — a propósito das bandeiras americanas queimadas pelo mundo afora. Respondi: ‘Pelo fato de vocês não saberem esta resposta...’. Esta pergunta tinha de ser feita ‘para dentro’, num autoquestionamento que, infelizmente, os vencedores nunca se fazem. A autocrítica é vista como recurso de fracassados. No entanto, os campeões mundiais de progresso, que vivem como atletas em busca da vitória, um dia vão ter de fazer esta auto-análise, numa espécie de ‘antropofagia’ ao avesso, tentando internalizar as diferenças do variado e incessante mundo exterior a eles. Se a América não entender a delicadeza de seu papel de líder no mundo, poderá ser o fim de tudo. Impérios acabam rápido. A URSS se derreteu em semanas.
Se a América não olhar para dentro, um dia veremos a nuvem dourada da guerra envolvendo as agulhas góticas dos edifícios de Manhattan. E este sonho genial de eternidade terá sido apenas o projeto das ruínas do grande império que acabou”.
Por isso, a partir de agora, de turbante e bola de cristal, estou atendendo em minha tenda mágica, em horário comercial, onde ponho cartas, jogo búzios e leio mãos. Sofrimentos de amor, paranóias, dúvidas políticas? Procurem o prof. Bin Jabor e encontrem finalmente a verdadeira felicidade.

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