As Forças Armadas têm de estar perto de nós

As Forças Armadas têm de estar perto de nós
Eu sou um pobre aspirante a oficial-da-reserva, de segunda classe, do Exército brasileiro, da heróica arma da Cavalaria. Apesar das agruras do serviço militar, não nego que, muita vez, vibrei com minha arma, como no dia em que cavalguei, com a lança embandeirada, na orgulhosa escolta do general-comandante Justino Alves Bastos, não tendo, infelizmente, desfilado depois na parada de 7 de Setembro pela maldade de um tenente que me fez montar a égua negra Epopéia, muito temida no regimento, pois empinava e se jogava para trás ("boleava") , tendo assim quebrado meu braço - eu, um desastrado e trêmulo calouro. Mas, lembro com emoção dos tambores e clarins, do passo firme dos batalhões, da sensação de unidade, de ser um soldado num mar verde-oliva, o que apaga a solidão e consola a alma.
Escrevo estas coisas remotas como réplica a uma carta do general Luiz Cesário da Silveira Filho, chefe do Centro de Comunicação Social do Exército, a propósito de meu artigo da semana passada, na qual ele me aponta como "denegridor" da boa imagem do Exército.
Ao contrário, general, considero o Exército uma das poucas instituições decentes do País e meu artigo, ao imaginar uma eventual participação militar na luta contra o tráfico, visava um pouco (confesso-o) a provocar nossos "milicos" e a suscitar respostas e explicações. E fico orgulhoso de poder, hoje, até questionar o Exército sem sentir medo. Sei das dificuldades da instituição num país semiquebrado por séculos de oligarquias e dependência, talvez até por ser filho de um brigadeiro-do-ar que morreu duro num apartamento de dois quartos em Copacabana.
Ademais, quem sou eu para criticar o Exército? No entanto, penso que talvez o Exército devesse ter mais contato com a opinião pública brasileira. Há uma curiosidade, que não é só minha, que se pergunta qual é o papel dos militares brasileiros no mundo da globalização e das mudanças no velho Estado-Nação, da democracia de massas e suas mazelas. Muita gente diz: "Tem de botar o Exército na rua contra o tráfico!" Outros: "Pra que serve o Exército?"
Fique claro que não acho que o Exército tem de "sair e botar para quebrar". Não sou o homem mais burro deste país (meus inimigos dirão: "Olha a modéstia..."); por isso, me pergunto: não seria oportuna uma atuação das Forças Armadas, em alto nível estratégico, coordenada com a experiência concreta e "suja" das polícias, de modo a romper essa cadeia de pó e armas, que começa lá fora, invade fronteiras, sobe favelas e acaba no nariz da burguesia?
Não podemos continuar considerando esses crimes apenas como um "desvio da norma" ou como um pecado diante do "Bem". O crime do tráfico e da miséria armada já tem outros nomes, já é uma "mutação social", já é uma forma de vida, um mercado de trabalho, um desafio aos poderes públicos. Esse neocrime não se combate mais com castigo e prisão; trata-se de uma Outra Sociedade, criada na lama e na fome, e só será vencido por uma conjunção de instrumentos que vão desde a repressão até o saneamento, que vão desde a guerra explícita até uma reeducação das comunidades periféricas.
O tráfico no Rio e em São Paulo não é só um problema de polícia, pois não nasce cocaína na favela nem lá se fabricam metralhadoras, como disse o Zuenir; tudo começa como uma invasão do território nacional. Por que as Forças Armadas não podem agir, em nível de Estado maior, da ESG, etc.?
Sabemos que, no Rio, grande parte do pó entra pela Baía de Guanabara. Por que a Marinha não pode policiar essas águas? Outro dia, li a entrevista muito lúcida de um brigadeiro que reclamava da ausência da "Lei do Abate" na Amazônia. Os jatos da Aeronáutica perseguem os aviões cheios de cocaína, dão ordem de descida, mas eles nem ligam, pois é proibido abatê-los. Os pilotos clandestinos chegam a fazer gestos obscenos para os militares e continuam seus vôos impunes, em direção aos "cafungueiros" do País.
Como leigo, pergunto se as Forças Armadas não devem se repensar em função das mudanças econômicas e políticas do País, se "enxugando", ficando mais eficazes, com melhores armas e homens bem pagos. Se alguma crítica posso fazer a imagem do Exército, é em relação a uma mentalidade meio "napoleônica", de "forças maiores", acima do cotidiano nacional, defendendo abstrações como "civismo", "renúncias", "anseios patrióticos". Hoje, o inimigo mudou e não podemos continuar a combatê-lo com formações do século19. Agora, o inimigo vem de dentro do atraso nacional, de dentro da tecnologia veloz, vem do fanatismo, da loucura, da miséria armada.
Acho que um dos erros de comunicação das Forças Armadas é um ocultamento diante da população. Por quê? Será que ficaram com complexo de culpa por terem cedido à tentação autoritária , há 30 anos? Isso já passou. O Exército não pode aparecer muito ou sumir muito, à espera de um "grande acontecimento" histórico. Não há mais "grandes acontecimentos". A guerra hoje é minimalista, tática, misturada à vida social, até invisível.
Os americanos amam seu Exército. Quantos filmes já fizeram louvando seus soldados? Por que ignoramos os nossos? Será que é só culpa de nosso ibérico e colonial medo do "poder"? Ou não haveria também da parte do Exército uma fobia, uma timidez em se assumir como importante instituição nacional?
Gostaria de ver o Serviço de Comunicação, prezado general, aparecendo "antes", nos informando e não reclamando de injustiças. O Exército é grande demais para isso e eu sou pequeno demais. Sou apenas um aspirante de segunda classe, mas minhas dúvidas são de brasileiro e patriota pois, como diz o nosso hino da Cavalaria, no evento de uma guerra contra a Pátria, quero que "o Sol, sem eflúvios, sem luz e sem calor, me encontre no solo a morrer, do que vivo sem te defender..."

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