A democracia abriu nossos olhos sobre o Brasil
O bode está virando moda. Nosso destino é manipulado por agências estrangeiras que nos dão nota como no colégio, olhamos o dólar e a bolsa como um jogo de búzios, para ver quando iremos para o buraco. Falamos do Brasil como de um doente terminal. E como a gente confunde governo com Estado, com nação, tudo que aconteceu de bom nos últimos anos virou pó-de-mico, nada, zero. O pessimismo na cultura brasileira virou uma espécie de "sabedoria" triste, uma vacina contra a decepção. E, no entanto - eu devo estar maluco -, eu vejo que muita coisa boa rolou depois da democracia instalada. Muita coisa melhorou sim no Brasil, ó filhos do bode, ó cegos ideológicos, com a democracia, que permitiu que inúmeras verdades viessem à tona. Desculpem meu otimismo - que eu sei que é visto com desconfiança ("ahhh... alguma coisa ele está querendo...") -, mas aqui vai uma lista de coisas boas que nos aconteceram.
A quebra do Estado brasileiro, no meio dos anos 80, foi ruim e boa. Deu-nos uma "orfandade" diante do gigante quebrado, mas despertou mais vontade de autonomia na sociedade. Deixou claro que o Estado tem de existir para a sociedade e não o contrário, como ainda é hoje. A sociedade civil, na falta de nome melhor, ganhou consciência de sua importância. A sociedade já pensa em "nós" e não em "eles" apenas, os remotos donos do poder. Apesar dos populismos, já deixamos de ser "vítimas" e passamos a ser "cúmplices". Já está na consciência da população a diferença entre estatal e público. O "apagão", a crise de energia foi causada por um descuido estatal, que foi consertado por uma ação pública. Já raiou a noção de responsabilidade civil e fiscal. Já entrou em nossa consciência de coloniais "exilados em sua própria terra" a idéia de que não se gasta mais do que se tem, em finanças.
O mesmo vale para a vida social e política: não se pode projetar um país para além de suas possibilidades concretas. A idéia do "possível", em vez da velha bravata das utopias. E muitos já entenderam que isso não é covardia ou omissão; é sabedoria e prudência.
A globalização da economia é um bonde carregado de problemas novos? Sim.
Pode nos jogar num vazio de excluídos, sem nichos lá fora? Pode. Mas, teve a vantagem de nos colocar mais perto da verdade nacional, rompendo as paredes da "taba imaginária", uma ilha ibérica de esperança vã e futuro maravilhoso.
A globalização nos trouxe o contato com métodos de gestão e administração mais anglo-saxônicos, trouxe dinamismo para empresas, trouxe nova ética empresarial, contábil. Hoje, já podemos pensar em um novo nacionalismo sem cairmos nos antigos esquematismos.
Ao contrário do simplismo de ver tudo por uma ótica "macro", ideológica, generalizante, as mudanças na economia mundial nos fizeram ver a importância dos detalhes "micros", das pequenas causas que podem derrubar um universo inteiro. Trouxe a idéia de "eficiência" contra o delírio ideológico, que dispensa estudo e viabilidade. Muito mais importante que apontar causas para a pobreza é descobrir formas de combatê-la.
A tal "mão invisível do mercado" pode nos dar bananas, claro. Sabemos como é hipócrita a visão americana de nos recomendar aberturas, enquanto eles se protegem. Contudo, o conceito de "mercado" dinamiza a auto-regulação da vida social e econômica do País, sim. "Mercado" como termômetro dos perigos da injustica, mas também como sensor dos desejos sociais, "mercado" como amenizador de certezas burras, "mercado" como relativizador de um poder público totalitário.
No imaginário político do País, "herói" ou "amigo do povo" sempre foi o sujeito que arrebenta com as dificuldades pela adoção de um simplismo que corte caminhos e ampute variáveis e epifenômenos. Já sabemos hoje que "parte" e "todo" se imbricam. Isso desmonta a velha idéia de acharmos uma "solução". Em lugar disso, temos o "processo". Isso diminui nosso amor ao voluntarismo salvacionista.
A democracia dos últimos anos nos ensinou sobre a idéia de "aliança" para governar. Aliança, não como oportunismo nem com aliados sendo "otários cooptados", mas sim como necessidade para o bom governo. Já sabemos que o Brasil é esse país que está aí, com suas deficiências e com políticos atrasados. Não há um outra nação over the rainbow. Mudar o País tem de ser por dentro e não uma intervenção mágica, ditatorial ou golpista.
Vimos encantados que a democracia, em sua prática, vai expelindo os micróbios que a atacam. A democracia tem anticorpos, glóbulos vermelhos que vão limpando seu organismo contra os inimigos autocráticos. Uma das grandes vitórias dos últimos tempos foi o enfraquecimento das resistências oligárquicas de gente como ACM, Sarney, Jader, que perderam energia diante da força modernizadora da liberdade. Populistas como Maluf já foram expelidos também. Faltam alguns, mas já é um começo.
Ficou visível como nunca o absurdo do atual "poder judiciário", arcaico, corrupto e lento. Por outro lado, houve um maior império da lei. O advento de corajosos e modernos procuradores da República, de juízes jovens e honestos, com um Ministério Público ativo, conseguiu encurralar gente que, há pouco tempo, era invulnerável. Ninguém vai em cana, ainda, mas, ao menos, já sofrem um vexame público, um descrédito político, com suas vergonhas estampadas na mídia. Podemos esperar que, um dia, haverá uma reforma no Judiciário e teremos uma lei para todos.
Ainda não entendemos direito, mas já percebemos que os problemas do Brasil são muito mais complicados do que uma mera questão de injustiça social, a ser resolvida apenas pela dinâmica de uma "luta de classes". A injustiça é endêmica e de tal modo paralisante que inviabiliza até um embate de classes.
A má distribuição de renda não é causa; é conseqüência de uma secular estrutura autocrática, de um Estado patrimonialista que tem de ser reformado.
A democracia melhorou muito nossos olhos. Estamos vendo mais. Espero que não nos ceguem de novo...
Feliz futuro!
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